segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

MÃE

Quando eu era pequeno, à noite, e já estava sentado na cama, a mãe dizia
com Deus me deito
com Deus me acho aqui vai o Tóino 
pela cama abaixo eu ia, ela apagava a luz, e logo a seguir manhã. 
Hoje sonhei que estava sentado no parapeito do Viaduto Duarte Pacheco, a minha mãe chegava, diziacom Deus me deitocom Deus me achoaqui vai o Tóinopela cama abaixo eu ia e logo a seguir nada. Um dia destes vai ser assim, desejo que um dia destes seja assim.O meu irmão Pedro morreu muito depressa no dia 21 de Dezembro, como era costume nele sem
prevenir ninguém, mas tenho a certeza que, em qualquer ponto seu
com Deus me deito
com Deus me acho
aqui vai o Pedro
pela cama abaixo 
só que, se calhar, ninguém tomou atenção a estas palavras. No dia seguinte fomos, os irmãos, dizer
à mãe. Estava sentada na cadeira do costume e portou--se com a imensa dignidade com que
sempre viveu. As suas palavras foram
- Tenham misericórdia de mim.
Era muito bonita, a mãe. Ensinou-nos a ler e ensinou-nos a dançar, talvez as duas coisas mais
importantes do mundo. E lembro-me de a ver andar de bicicleta na Praia das Maçãs, um pouco
indignado porque andar de bicicleta era uma coisa para nós, não era uma coisa para ela.
Depois de
- Tenham misericórdia de mim
que foi a única vez que a vi usar essa palavra, passado um bocado acrescentou
- Uma mãe não tem o direito de estar viva quando um filho morreu
e morreu de lhe ter morrido o filho, com uma discrição e uma elegância exemplares. Não tinha nenhuma doença especial: apenas a obrigação de cumprir um dever e foi juntar-se ao Pedro. Não comia quase, sentada na cadeira em que recebeu a notícia. Às vezes dizia-lhe versos porque ela gostava muito de poesia. Na igreja disse-lhe um dos seus sonetos preferidos, de António Sardinha, que aprendi com o pai. Costumava contar que o pai, enquanto se arranjava de manhã, na casa de banho, recitava poemas e ela ficava a um canto, a ouvi-lo.
- O que é que a seduziu no pai, mãe?
- A inteligência
ela que começou a namorá-lo aos catorze anos. Isso e a voz do pai, tão sensual:
- Nenhum dos filhos herdou a voz do pai. Talvez o António, um bocadinho.
A sensualidade e a inteligência, ela que era uma mulher muito inteligente. Falava, por exemplo, de Bento de Jesus Caraça que tinha conhecido menina, lá na Beira Alta, com o entusiasmo com que uma adolescente fala de um actor de cinema. Durante os meses em que esteve a preparar-se para se reunir ao filho às vezes pegava-lhe na mão e os dedos tão suaves e doces. Não éramos ricos, teve muitos filhos, tinha de tomar conta daquilo tudo, costurava, trabalha bastante em casa e quando se arranjava, assim para jantares mais de cerimónia, ficava uma brasa e pêras. Também não era especialmente terna mas contava-me, por exemplo, que, era eu bebé, lhe doía a boca de me dar beijos. Entre tantas mulheres apenas ela me declarou isso. Deve ser tão bom doer a boca de beijar. Há alturas em que me sinto culpado pelos problemas que lhe atirei para cima: doenças (uma meningite aos oito meses durante a qual estive em coma, tuberculose aos três anos), o meu mau feitio
(- Assim tão mau, mãe?)
o meu completo desinteresse pelos estudos
(Só se preocupa em escrever e ler)
o seu receio de me ver acabar a vender pensos rápidos e Bordas d'Água nas esplanadas porque a literatura não dá de comer a ninguém, esquecida que a culpa era dela dado que nos ensinou a ler antes de entrarmos para a escola e, em mim, a doença pegou:
- Só liga a livros e a raparigas.
Eu perguntava-lhe
- Existe alguma coisa para além disso, mãe?
e o facto de não responder significava, talvez, que até certo ponto estava de acordo.
Às vezes, ao zangar-se
- Não sorrias porque estou a ralhar-te
e, quando eu sorria, era-lhe difícil ralhar-me
- Sobretudo não faças essa carinha
e eu lá mudava a carinha para o resto da descompostura. Julgo que só compreendi bem o que sentia por mim quando estava com o cancro e ela veio visitar-me. Não era mulher de lágrimas mas a cara encontrava-se cheia delas, escondidas. Agora tenho o seu retrato ali e sou eu que as escondo. Pior do que você, mãe, visto que sou mais chorão. A Zézinha nasceu quando eu na guerra e escreveu-me a contar: "não sei se estás vivo ou morto porque há um mês e meio que não sei nada de ti". Estava vivo. Não assim muito vivo, mas vivo, ao passo que quanto a si, mãe, nunca esteve tão viva como agora.
Com Deus me deito
com Deus me acho
aqui vai o Tóino
pela cama abaixo.
Tanta coisa que eu podia contar a seu respeito, e não conto, e jamais contei. Não sou capaz, tenho pudor. Enquanto a metiam debaixo da terra e não aguentei, fui-me embora. Fazia um dia de sol muito bonito. E tive a certeza de ver o Pedro ao longe. Não precisámos de falar. Quase nunca precisávamos de falar para nos entendermos. Mas a palavra mãe ia de um para o outro. E somos nós que vamos pela cama abaixo. A mãe será a última pessoa a ficar, olhando para a gente. Nascemos de si, não tem o direito de se ir embora. Não concorda? Olhe que eu ponho-me a sorrir aquele sorrisinho parvo até escutar que sim.

(Autor: António Lobo Antunes)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

QUEM SOU EU?

Nesta altura da vida já não sei mais quem sou...

Vê só que dilema!!!

Na ficha de qualquer loja sou CLIENTE, no restaurante FREGUÊS, quando alugo uma casa sou INQUILINO, nos transportes públicos e em viatura particular sou PASSAGEIRO, nos correios REMETENTE, no supermercado (e lojas também) sou CONSUMIDOR. Nos serviços sociais sou UTENTE.

Para o estado sou CONTRIBUINTE, se vendo algo importado sou CONTRABANDISTA. Se revendo algo, sou VIGARISTA, se não pago impostos sou SONEGADOR, se descubro uma maneira de pagar um pouco menos, sou CORRUPTO. Para votar sou ELEITOR, para os sindicatos sou MASSA SALARIAL, em viagens TURISTA, na rua caminhando PEDESTRE, se passeio, sou TRANSEUNTE, se sou atropelado ACIDENTADO, no hospital PACIENTE. Nos jornais viro VÍTIMA, se leio um livro sou LEITOR, se ouço rádio OUVINTE.A ver um espectáculo sou ESPECTADOR, a ver televisão sou TELESPECTADOR, no campo de futebol sou ADEPTO. Na Igreja católica, sou IRMÃO.

E, quando morrer... uns dirão que sou... FINADO, outros... DEFUNTO, para outros... EXTINTO, para o povão... MAIS UM QUE DEIXOU DE FUMAR... Em certos círculos espiritualistas serei... DESENCARNADO, os evangélicos dirão que fui... ARREBATADO...

E o pior de tudo é que, para os governantes sou apenas um IMBECIL!!!

E pensar que um dia quis ser EUSIMPLESMENTE...
(Texto retirado da Internet)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Um Ano Novo com a Esperança Renovada

A chegada de um novo ano pode trazer-nos uma grande diversidade de sentimentos. Aos que tiveram um bom ano, o otimismo pode ganhar mais força, com a expectativa de que o próximo continue no mesmo caminho. Já os que não atravessaram muitas dificuldades, recebem uma nova chance de deixar os problemas no passado e renovar a esperança para um futuro mais agradável.

Passar por um ano difícil não é exclusividade de poucas famílias. Seja qual for o motivo, as adversidades acompanham a vida de muita gente, e não é uma tarefa muito fácil abraçar a positividade quando estamos a passar por muitas dificuldades.

Mas talvez se pensarmos como é bom viver livre de problemas, as nossas forças aumentem e o otimismo faça parte de uma parte maior do nosso tempo. Vamos entrar no ano novo com a esperança renovada, com espaço livre para a felicidade, afastando-nos cada vez mais de tudo o que trouxer tristeza ou atrapalhar a nossa prosperidade!

Feliz Ano Novo!
("Mundo das Mensagens")